Tuesday, April 18, 2006

Passagens dos Três Diálogos entre Hylas e Filonous

Como prometido, segue uma pequena seleção de passagens dos Três Diálogos entre Hylas e Filonous 1 que serão úteis na análise da filosofia de Berkeley. Na seqüência deixarei uma versão impressa na pasta.


Primeiro Diálogo:

(7)2 F: Concordo convosco — já quanto à tendência de certos filósofos de fazerem alarde de suas dúvidas, já quanto aos conceitos fantásticos de alguns outros. E tanto ultimamente tenho ido avante nessa maneira de ver as coisas, que abandonei não poucas das sublimes teorias que havia tomado nas escolas deles, a fim de me reverter às opiniões do vulgo. E garanto-vos que, depois de tal revolta contra as noções metafísicas, e em favor dos claros ensinamentos da natureza e do senso comum, tenho achado o meu intelecto estranhamente esclarecido; e tanto, que bem facilmente compreendo agora muito do que me aparecia como mistério e enigma.

(8) H: Comprazo-me de verificar que não é verdade o que a vosso respeito me disseram alguns.

(9) F: E o que foi, pode saber-se?

(10) H: Na prática que tivemos a noite passada, apresentaram-vos como alguém que quer dar como boa a mais extravagante opinião que pode ocorrer a um homem, a saber: que não existe substância material no mundo.

(11) F: Que não existe aquilo a que entre os filósofos se dá o nome de substância material — lá disso me persuado eu, e muito a sério; porém, se me levassem a ver de tal convicção qualquer absurdeza ou ceticismo, teria tanto motivo para renunciar a ela, decerto, como a que julgo ter agora para rejeitar a oposta. (DI, pp. 49–51)



Segundo Diálogo:

(36) F: [...] o mundo sensível é o que percepcionamos, graças aos sentidos de que somos dotados [e] os sentidos percepcionam tão-somente idéias [...] (DII, p. 82);


(42) F: [...] só percepciono, como é bem manifesto, as minhas próprias idéias, e nenhuma idéia pode ter existência que não seja a existência numa qualquer mente [...] (DII, p. 83).


Terceiro Diálogo:

(47) F: Reconheço que a palavra idéia, não sendo comumente empregada por coisa, soa a fora das marcas. A minha razão para me servir dela é que implica uma relação necessária com a mente; e usam-na agora comumente os filósofos para denotar os objetos imediatos do intelecto. Mas, por estranhamente que em palavras soe, nada há de esquipático e de repulsivo naquilo que realmente a proposição significa, e que não passa disto: só há coisas percepcionantes e coisas percepcionadas; [...] Pois será isto afirmação tão estranha como a de que não estão nos objetos as qualidades sensíveis, ou a da impossibilidade de nos certificarmos da existência das coisas, ou a de sermos incapazes de algo conhecer acerca das naturezas reais delas, se bem que as vejamos e que as tateemos, e que por todos os sentidos as percepcionemos? (DIII, p. 101 — segunda ocorrência de itálicos adicionada)


(96) H: [...] Ora, pode haver algo de maior evidência que ser certo que todas as coisas as mudais vós em idéias? Vós, que não tendes vergonha de me acusar de cético! É evidente; não há aí negá-lo.

(97) F: Compreendeste-me mal. Não é certo que mude as coisas em iéias, senão antes que as idéias eu as mudo em coisas: pois aos objetos imediatos da percepção, que para vós não passam de aparências das coisas, considero-os como coisas reais.

(98) H: Coisas! Podeis pretender o que bem quiserdes; o incontestável, porém, é que nos deixas as formas vazias das coisas; não mais que o exterior, o que nos impressiona os sentidos.

(99) F: Isso a que chamais vazias formas, exterior das coisas, parecem-me a mim as próprias coisas. Nem são vazias e incompletas senão em conseqüência da suposição que fazeis de que é a matéria uma parte essencial de todas as coisa corporais. Ambos concordamos neste ponto: só se percepcionam as formas senseis; mas divergimos aqui: que vós considerais essas mesmas formas como sendo unicamente aparências vácuas, e eu as considero como coisas reais. Em resumo: vós Hilas, não vos fiais nos vossos sentidos, e eu fio-me neles. (DIII, p. 107)


(125) F: Reparai bem: quando falo dos objetos existentes na mente, ou então como impressos nos nossos sentidos, releva que se não entendam as minhas frases no sentido grosseiro e literal, como ao dizer-se que um corpo está em um determinado lugar, ou então que na cera se imprimiu um selo. Não pretendo mais que significar, com isso, que a mente os compreende e os percepciona; e que do exterior é que é ela afetada, quer dizer: por alguma existência distinta dela. [...]

(126) H: [...] Não haverá aí, todavia, um abuso de linguagem de vossa parte?

(127) F: De maneira alguma. Só fiz o autorizado pelo uso comum — o qual constitui, como sabes, a regra do idioma: pois é correntíssimo entre os filósofos o falar dos objetos imediatos do intelecto como coisas que existem nas nossas mentes. [...] (DIII, pp. 110–111 — itálicos adicionados)


(131) F: [...] Se entendeis por idéias fantasias da mente, não mais do que ficções — então aquelas coisas [i.e., o Sol, a Lua, as estrelas, a terra, o mar, as plantas e os animais] não são idéias; mas se, pelo contrário, significais por idéias os objetos imediatos do entendimento; se denotais por esse termo as coisas sensíveis que não podem existir impercpcionadas, fora da mente — então aquelas coisas são de fato idéias. Mas em suma: que lhes chameis idéias ou que lhes não chameis idéias é coisa afinal que bem pouco importa. A única diferença está aí num nome. Na conversação comum, os objetos dos nossos sentidos não costumam receber o nome de idéias, e sim o de coisas. Continuai, pois, a designá-los assim; e contanto que lhes não atribuais aí uma existência exterior absoluta — por uma simples noção não discutirei convosco. (DIII, p. 111)


(179) F: Não tenho pretensão alguma de ser um fautor de doutrinas novas. Só o de unificar é que é o meu esforço, e o de fazer ver a uma luz mais clara essa mesma verdade que se repartiu até hoje entre os homens do vulgo e os filósofos; opinando aqueles que as coisas reais são as que imediatamente percepcionamos, e sustentando estes que são idéias as coisas imediatamente percepcionadas — idéias que existem tão só na mente. Pois tratai de juntar essas duas noções, e tereis a substância do que eu afirmo. (DIII, p. 119)


(181) F: Reparai, Hilas, nessa fonte de além. Em coluna redonda, ergue-se o repuxo até certa altura; nesse nível fraciona-se e já recai sobre o tanque: mas tanto à subida como à descida se conforma a àgua com uma mesma lei, que vem a ser o princípio da gravitação. De maneira análoga, aqueles princípios que à primeira vista nos impelem o espírito para o ceticismo — quando levados até certo ponto reconduzem os homens ao senso-comum. (D III, p. 119)

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Notas:

1Doravante simplesmente "D"; A edição utilizada para citação é da coleção Os Pensadores (1980). Para facilitar o confronto com outras edições, a paginação (p.) será sempre precedida pelo número do diálogo correspondente (I–III), bem como pelo número da fala (f.) de seus interlocutores.

2 O número entre parênteses indica a fala de cada interlocutor.

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