Tuesday, March 14, 2006

Aula Introdutória - Parte II

UM 10502 - INTRODUÇÃO À FILOSOFIA A – 2005/1 3. A utilidade da filosofia

Simon Blackburn dá início ao capítulo intitulado ``Para que serve a filosofia?'' (de seu livro Pense: Uma introdução à filosofia) com o seguinte questionamento:

Está tudo muito bem, mas será que vale a pena preocuparmo-nos? Qual é o interesse? A reflexão não põe o mundo a funcionar. Não coze o pão nem põe os aviões no ar. Por que razão não havemos de pôr as perguntas reflexivas de lado, e passar às outras coisas? (fonte)

De fato, esse é o tipo de pergunta que certamente muitas das pessoas que entram em contato com a reflexão filosófica fazem vez ou outra. Um exemplo famoso disso é fornecido pela afirmação de Karl Marx segundo a qual os filósofos anteriores teriam procurado apenas compreender o mundo, ao passo que o que era preciso era transformá-lo. Mas o que Marx parece esquecer nesse contexto é que é preciso antes compreender o mundo para depois transformá-lo. Como afirma o próprio Blackburn, no texto supracitado:

A reflexão não coze o pão, mas também a arquitetura não o faz, nem a música, a arte, a história ou a literatura. Acontece apenas que queremos compreender-nos. Queremos isto pelo seu valor intrínseco, tal como os especialistas em ciências ou matemáticas puras podem querer compreender o princípio do universo, ou a teoria dos conjuntos, pelo seu valor intrínseco, ou como um músico pode querer resolver alguns problemas na harmonia ou no contraponto pelo seu valor intrínseco. São coisas que não se fazem em função de aplicações práticas. Grande parte da vida trata-se de fato de criar gado para poder comprar mais terra, para poder criar mais gado, para poder comprar mais terra… Os momentos em que nos libertamos disso, seja para fazer matemática ou música, para ler Platão ou Eça de Queirós, devem ser acarinhados. São momentos em que desenvolvemos a nossa saúde mental. E a nossa saúde mental é boa em si, como a nossa saúde física. Além disso, há no fim de contas uma recompensa em termos de prazer. Quando temos saúde física, o exercício físico dá-nos prazer, e quando temos saúde mental, o exercício mental dá-nos prazer.

O problema com essa resposta, como admite Blackburn a seguir, é que ela ``provavelmente só consegue ser atraente para as pessoas que já estão parcialmente convencidas'' da importância da filosofia. Uma segunda resposta apresentada por ele enfatiza a relação entre a reflexão e a prática. Conclusões que obtemos no nível especulativo, por meio da reflexão filosófica, têm um papel importante no modo como agimos e nos comportamos em sociedade. Assim, e.g., se chegarmos à conclusão de que o mundo e seus acontecimentos estão todos determinados, e que nada do que façamos poderá mudar o rumo das coisas, a conseqüência pode ser a paralisação de nossa ação.

Uma outra visão acerca da utilidade da filosofia é fornecida pelos escritos de Ludwig Wittgenstein. Wittgenstein encara a filosofia como uma atividade de elucidação conceitual, ou gramatical, a partir de uma descrição cuidadosa de nossas normas de representação. Dada nossa própria natureza humana, que teima em nos empurrar sempre para mais longe de nossas limitações, acabamos deixando, como diria Wittgenstein, a ``linguagem entrar em férias''. Ao fazermos isso somos levados a vários tipos de confusões acerca do uso de nossos conceitos. Caberia à filosofia nos livrar desses problemas, por meio deum tipo de "terapia" lingüística ou conceitual. Mas isso não significa que a filosofia seja só isso, ou seja, que ela tenha apenas esse papel negativo. Após passarmos por tal ``terapia'', e voltarmos ao uso ordinário de nossos conceitos, não estamos mais na mesma posição de antes: nós ganhamos um certo tipo de imunidade às novas doenças, para continuar com a analogia. Isto é o que Wittgenstein chamaria de "visão sinóptica", ou "panorâmica", de nossa rede conceitual. Isso possibilita que não apenas usemos os conceitos de forma correta, mas nos fornece também uma certa justificação, que falta ao sujeito que nunca refletiu sobre tais coisas.

Essa concepção gera uma certa nebulosidade na delimitação e distinção dos problemas que são legitimamente filosóficos, dos problemas que podemos chamar de teóricos (ou seja, problemas que são conceituais mas que surgem na elaboração das teorias científicas). Uma resposta possível consiste em dizer que a Filosofia se preocupa com questões mais básicas, que tem a ver com confusões no uso de conceitos extremamente gerais, como substância, objeto material, experiência, evento, causalidade, realidade, etc. Já para a Ciência ficaria o encargo de lidar com conceitos mais sutis, sofisticados, em decorrência da própria sofisticação progressiva das teorias científicas. Essa é a resposta de Peter Strawson, cuja filosofia teremos oportunidade de analisar na seqüência.

4. As principais áreas de interesse em Filosofia.

Há muitas maneiras de se cortar o bolo da filosofia, dependendo do interesse que guia esse processo. Uma maneira interessante consiste em apresentar inicialmente uma grande bifurcação, dividindo-a em filosofia teórica e filosofia prática. Mas deve-se fazer uma importante ressalva acerca dessa última denominação, pois, na medida em que ela sugere interesses de ordem ``prática'' no sentido comum desse termo, ela é enganadora. Na verdade, assim como no caso da filosofia chamada teórica, a filosofia prática também visa responder a questões teóricas, conceituais, abstratas, diferindo daquela apenas no que toca ao seu objeto. Assim, enquanto a filosofia teórica preocupa-se basicamente com questões acerca do pensamento e do conhecimento humano, a filosofia prática trata da natureza das ações humanas, mas sempre num registro teórico.

Podemos subdividir o primeiro ramo, o da filosofia teórica, basicamente em três áreas de interesse principais e interconectadas entre si, as quais por sua vez teriam muitas outras ramificações, a saber: a Lógica, a Metafísica, a Epistemologia. Já no segundo ramo, o da filosofia prática, encontramos disciplinas tais como as da Ética, Filosofia Política, e Estética.

A Lógica trata basicamente da preservação da verdade e dos modos de se evitar o falso em inferências e raciocínios.

A Metafísica ou ontologia – que é é tradicionalmente encarada como o cerne da Filosofia – trata de questões tais como as da natureza da realidade, do ser e do nada. Segundo sua definição clássica, a Metafísica é o estudo das características mais gerais e essenciais da realidade. Essa é justamente a primeira sugestão que o nome `Meta-física' nos dá, ou seja, ela trata daquilo que vai além da seara da `Physis', da ciência natural. Curiosamente, contudo, esse nome teve uma origem distinta:


O sentido da palavra Metafísica deve-se a Aristóteles e a Andrônico de Rodes. Aristóteles nunca utilizou esta palavra, mas escreveu sobre temas relacionados à physis e sobre temas relacionados à ética e política, entre outros semelhantes. Andrônico, ao organizar os escritos de Aristóteles, organizou os escritos de forma que, espacialmente, aqueles que tratavam de temas relacionados à physis vinham antes dos outros. Assim, eles vinham depois da física (Metha = depois, além; Physis = física). (Fonte: Wikipédia)


A Epistemologia ou teoria do conhecimento, trata da crença, da justificação e do conhecimento.

A Ética, que trata do certo e do errado, do bem e do mal, visando fornecer uma fundamentação racional para o agir humano, ou simplesmente uma descrição das condições de possibilidade dessa ação, bem como um instrumental mais elaborado para o julgamento moral, que é parte importante de nossa vida em comunidade.

A Filosofia Política trata de questões tais como a das condições de possibilidade do Estado, e da maneira correta de governar para o bem comum.

Por fim, temos a Estética, que trata do belo e de nosso discurso e apreciação do belo, expresso pelo juízo estético.


5. O objeto do curso

O tema que será abordado neste curso – o da relação sujeito-objeto – suscita reflexões pertencentes ao âmbito da filosofia teórica, tanto de metafísica, quanto lógica e epistemologia.

A restrição histórica – da modernidade até nossos dias – visa possibilitar um tratamento mais detalhado das posições e autores estudados, e tem a vantagem de permitir, dentro desses limites, uma reflexão acerca das mudanças ocorridas nas concepções da relação sujeito-objeto ao longo do tempo, bem como das motivações dessas mudanças.

1 comment:

Anonymous said...

Obrigado por Blog intiresny